sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Memórias de um cárcere privado...( imposições e lições dessa pandemia)..

Escrito dia 02/09...
Hoje completam 4 dias que estou no Barra D'Or. Cheguei aqui dia 30/08 preocupada com uma tosse seca e uma pressão no abdômen tipo feita por um espartilho e fui internada para investigação e consequências do COVID e possíveis problemas nas coronárias. 

Tudo é muito angustiante... o medo no CTI de COVID e a empatia e solidariedade que gritam em mim acabaram me colocando em um conflito desconcertante a partir daquele domingo.

A transferência para o CTI de Doenças Coronarianas ou sei lá como denomina aquele espaço deixaram uma preocupação acomodada mas trouxeram-me o incomodo dos exames com contrastes.

Venho buscando desde o desencarne do Bruno meu ponto de equilíbrio emocional e quase impossível  uma vez que, parte das pessoas que convivem comigo, por defesa emocional delas, negação ou sei lá o que, insistem em querer provar que sou doida, descompensada. 

Na minha busca por qualidade física, procurei faz um ano mudar certos hábitos alimentares e tive como inspiração meu filho Lourenço que vive pesquisando e seguindo virtualmente vários estudos científicos e influenciadores de uma vida mais saudável. Infelizmente, só não consigo deixar de ser preguiçosa para exercícios físicos em academias ou aerobicos como caminhar na praia. Não que eu não seja ativa. Faço tudo na minha casa que são dois andares e um quintal de responsa. Às vezes penso até que tenho TOC. Estou sempre tentando tentar deixar as coisas organizadas...menos a minha vida. E isso é facilmente percebido pelo meu guarda-roupas. E como escrever aqui no hospital foi a terapia que escolhi fazer, analisando isso agora sob o olhar do medo, da proximidade do fim da escadaria, quando voltar para casa e me recuperar mais vou arumar as gavetas...pendurar algumas roupas e me desprender daquilo que não preciso. O excesso só nos atrapalha...nos prende ao que não é essencial.

Eu sempre me dei bem com a solidão... aliás, ela nunca foi uma imposição na minha vida, ao contrário, somos grandes amigas e a sinto como uma parceira e boa conselheira para a minha caminhada em busca da evolução! E aqui, nesse lugar em que muitos se sentem encarceirados, angustiados e terrivelmente amedrontados procurei fazer da solidão um aliado. Estou relembrando das grandes mulheres da história e cultura que sempre me inspiraram: Frida Kallo, Anita Garibaldi, Olga Benário e a doce e inspirada senhorinha poetisa Cora Coralina! 

As três primeiras me inspiram por seu espírito de guerreiras, mulheres apaixonadas tanto por seus homens quanto por suas causas.

Frida para mim é um dos maiores exemplos de superação. Uma mulher além da sua época...excêntrica, despudorada, destemida e alguém que não permitiu que as limitações físicas a freassem em sua maneira de enxergar a vida. Enfrentou o medo... as terríveis dores do físico e do emocional quando viu seu sonho da maternidade ser retirado nesta encarnação ... ( Frida foi vítima de um acidente de bonde). Ela não sucumbiu...usou a arte como manifestação de seus sentimentos e registrou em cores e formas, nas telas, tudo que sua visão de vanguarda permitia. Foi apaixonada por um artista como ela...um doido...promíscuo...um liberal despreocupado com os sentimentos alheios...um revolucionário sem freios. E ela o amou como ele era. Assim como nunca deixou de amar suas próprias vontades e sua postura de " faço aquilo que me deixa feliz"  Não somos parecidas nesse comportamento em particular! Não sou despudorada! Rs... nem tenho mais idade para isso...mas, como ela, amo de certa forma, minha liberdade! E mesmo parecendo que vivo presa a família e certas lembranças, de alguma maneira, sou eu que sempre decido o que quero ser.

De todas elas, das quatro mulheres, sou muito Anita Garibaldi e um tanto Cora Coralina. Como Cora, me permiti, embora tardiamente na cronologia da vida, me expressar literalmente. Como ela, embora eu não tenha escolhido certas situações, eu decido vencê-las!

Como Anita, sou uma mulher de causas...uma defensora destemida dos meus amores...principalmente da minha família.  Uso das armas que disponho para defender aquilo que acredito. E vou sem medo... luto por elas...

Como Olga, sou resistência...sou fortaleza buscando vencer os " carceres" impostos na caminhada pela evolução !

Voltando aos episodios deste carcere privado promovido pelo COVID 19, sinto-me constrangida pelo descontrole emocional por ocasião do segundo exame com contraste por iodo. Foi osso! E o foi tanto para mim quanto para o médico e enfermeiro que me acompanhavam. Putz.. não calei a matraca! Estava muito fragilizada...desestabilizada... estava perdendo meu eixo e quase tive outra crise grave de pânico  

Perdi a conta dos eletros, dos ecos, exames de sangue, angios e injeções na barriga. Sabem quando a gente se sente um peixe fora d'água? Sabem quando a gente se pergunta: o que estou fazendo aqui? Então, meus últimos quatro dias foram assim...uma dúvida  cruel entre a "desconfiança " se sou mais um peão na ajuda de quebras de metas ou uma herdeira dos problemas cardiológicos da minha mãe.  Caraca...e se eu for, puxa vida...que meleca! 😑😏🙄

Hoje, dois médicos que me atenderam me esclareceram mais sobre os problemas e sim, há uma grande possibilidade de herança genética e um beijo apaixonado pelo COVID em meu músculo cardíaco.  Em se concretizando o diagnóstico, vou fazer o que puder para vencer a herança! Lembram da Cora Coralina? Então... decido viver! Eu decido ter dignidade física, emocional e espiritual. E nesse caminho do espiritual...dos "toques" de Deus, estou vendo esta estada neste hospital não como um castigo...como um puxão de orelhas mas como uma oportunidade de reflexão...de apurar o olhar...de exercitar minha fé e minhas eternas companheiras: senhoras resiliência e empatia.

Tenho conversado bastante com minhas três Marias... com as Nossa Senhoras de Fátima, Conceição e Aparecida. Tenho entregue a elas todo meu medo e minha insegurança e graças a Deus e a Elas vou me fortalecendo e me amparando na minha FÉ! E nesse viés, procuro buscar a lembrança dos meus três anjos: meu Bruno, minha mãe e minha sogra. À eles peço sempre orações e emanações de boas energias. Eu nunca peço que me tirem do que preciso passar mas que me inspirem coragem   para enfrentar com dignidade  aquilo que acredito ter escolhido trilhar.

Ah.... como está sendo bom escrever...fazer como disse Vander Lee : " morar no interior do meu interior!" Aliás , cantarolar Vander Lee em duas de suas músicas tem sido uma das distrações...do meu desabafo. Amo: " Onde Deus possa me ouvir e Esperando aviões!" E aí quando canto o verso... cada dia que passa sem tua presença sou um presidiário cumprindo sentença...eu penso que é assim que uma mãe enlutada se sente mas sei que hoje, depois desses cinco anos sem que a presenca fisica do meu Bruno exista e a saudade seja uma companheira dedicada me fazendo prisioneira das lembranças, são essas mesmas lembranças que me ajudam a perceber o quanto esses trinta e quatro anos permitidos foram muito bons! 

Aff!!! 14:40''... faltam exatos oitenta minutos para tirar esse abençoado Holter!!!!! Vocês sabem a força de um banho? A água caindo na cabeça, lavando seu corpo e permitindo que nossas lágrimas caiam sem que estejamos vulneráveis a curiosidade alheia?  Preciso desse banho! E junto a ele preciso da força da mente em plasmar rosas brancas caindo com a água e revigorando todo meu ser.

Falei com meus Lourenços ainda pouco...são idênticos! Vou orar por eles e depois beber um copo com água! Jesus entende e Perdoa!

Hoje 03/09 recebi da doutora Monik Cardoso um livro de presente: Relatos de um amor".  Ela foi a médica que me acompanhou na semi intensiva. Conversamos muito... como médica/paciente, como mães e como kardecistas... Ela entendeu minhas necessidades... Tê-la nestes dias foi um presente!  Hoje ela disse que vou embora...e que agora é só conversar com o cardio e não relaxar relaxar com as condutas médicas a partir de agora.

Pai...o Senhor sabe o quanto já rezava pelos profissionais da saúde mas a partir desta minha estada no Barra D'Or, neste meu carcere privado promovido pelo COVID 19 e coração, reforço o meu pedido de Luz, misericórdia e proteção a esses guerreiros! 

E de tudo fica a lição: nem todos somos iguais, o respeito pelas pessoas deve ser maior que nossa arrogância e a Fé seja ela da forma que for deve ser nossa melhor amiga!

Nenhum comentário:

Postar um comentário